segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Só nos shoppings me vejo feliz

Assisti a um programa Globo Ciência que, entre vários assuntos, tratava do tema shopping center. O programa me levou a pensar e a sentir necessidade de mostrar para você, meu aluno, o quanto é importante entender o que está por trás de tantas belezas inventadas pela inteligência humana.

Todos nós, por fazermos parte de um grupo privilegiado, já estivemos em um shopping center. Indiscutivelmente é encantador e maravilhoso. Mas, ao entendermos shopping center como fascinador e perfeito, estamos cometendo um erro de leitura. Digo, erro de leitura, porque leitura é algo maior que ler e se bastar das informações contidas à primeira vista. Faz parte da leitura, por exemplo, do que venha ser um shopping center, a capacidade de analisar as intenções que estão além das aparências. O mesmo acontece com um texto escrito que, por mais que seja “imparcial”, tem sempre algo do seu criador.

Com certeza você, ao entrar em um shopping Center, tem a sensação de estar entrando no paraíso. Luzes, cores, pessoas bonitas, espelhos, vidraças, escadas rolantes, isso tudo faz parte de uma leitura, a leitura aparente. Passada a primeira leitura, podemos ir para uma outra leitura mais aprofundada que exige reflexão e análise. Essa leitura nasce assim:

Você já percebeu a localização das fantásticas escadas rolantes dos shoppings centeres? Já se sentiu meio perdido e dando voltas para encontrar a escada de subida ou de descida? Isso acontece não porque você é bobo ou “da roça” como permitimos que nos classifiquem. Isso acontece com os espertinhos e metropolitanos também. Esse efeito é criado e premeditado para que as pessoas circulem mais pelo shopping. Observe que a escada que sobe está sempre oposta à que desce, diferentemente das escadas funcionais, como as dos prédios residenciais que costumam ser únicas e apenas mais largas.

Já se sentiu deslizando ao pisar? Temos até a sensação de que vamos derrapar, mas nem nos importamos, porque há coisas que nos chamam mais atenção que cair ou não, naquele momento. O piso usado nos shoppings centeres foi estrategicamente “bolado” para passar essa sensação e fazer com que as pessoas andem mais devagar e possam “apreciar” mais e melhor as vitrinas.

Os shoppings centeres nasceram nos Estados Unidos e são tão americanos que ninguém conseguiu traduzir essas duas palavrinhas mágicas para o português. Isso também nos leva a pensar.

No Rio de Janeiro tentaram criar um shopping aberto, uma tentativa frustrante de resolver dois problemas; o dos camelôs, tentando tirá-los das ruas e o problema provocado pelos shoppings centeres que é o da exclusão de um tipo de consumidor. Não teve jeito, ninguém conseguia falar shopping aberto, logo logo o carioca rebatizou o shopping como camelódromo.

Você já deve ter percebido que as pessoas frequentadoras dos shoppings centeres são aparentemente bonitas, alegres, felizes e sem problemas. Já se esbarrou também em palavras como Sale, Off. Por fazermos parte de um grupo privilegiado, ainda que não saibamos a tradução de sale, concluímos depressa, pelo modo como a loja se encontra, que se trata de liquidação. Junto ao sale vem sempre as porcentagens 20%, 50%, 70% e muitos “xizes” em vermelho. Nada disso nos intimida, porque fazemos parte das pessoas bonitas e bem tratadas que passeiam pelos shoppings. Mas existem as pessoas intimidadas que não se enquadram nesta categoria. É intencional, os shoppings centeres excluem aqueles que nâo têm poder aquisitivo para consumir seus produtos. Quantas vezes fomos ao shopping com o firme propósito de “só dar uma olhadinha”. “só passear” e... acabamos fazendo um lanchinho, comprando um chaveirinho, aquela bolsa linda e com um preço imperdível. Ninguém escapa dessa armadilha.

Não precisamos nos sentir culpados por nosso comportamento, afinal os shoppings centeres foram inventados não porque nós pedimos, e sim, porque as políticas públicas permitem e colaboram. Como? Já se sentiu aliviado e seguro ao entrar em um shopping center? Tudo bem, eles foram criados para unir prazer e consumo, oferecendo segurança, conforto, higiene, coisas que o poder público nos nega e nos tira com a corrupção, o desvio de verbas, a omissão, o assistencialismo vicioso, os conchavos com as grandes redes do comércio. Nos shoppings centeres você não tem que conviver com pessoas pedintes tocando seu braço, implorando centavos, não vê crianças abandonadas e exploradas vendendo balas, não ouve ninguém gritar “assalto”, ninguém fantasiado de mau gosto, humilhantemente ao sol escaldante, na porta de lojas assustadoramente desarrumadas. Os excluídos dos shoppings centeres sentem-se tão bem nessa “muvuca” quanto nós nos sentimos nos shoppings centeres. Não há nada de anormal, aparentemente, nessas duas realidades, o que há de errado está na primeira leitura que, como o poder público (políticos), não nos permite pensar, analisar e concluir com os recursos de uma nova e ampliada leitura. Tenho certeza que, daqui a um tempo, quando você entrar em um shopping center fará uma nova leitura de tudo que está ali envolvido e comprovará que ler está além das aparências.

Terezinha Tostes Lopes

5 comentários:

  1. Terezinha, parabéns pelo artigo.
    Adorei...muito bom...
    SEC está em boas mãos!!!

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  2. Desculpem, mas ao atualizar o blog, um comentário foi excluído.
    abraços

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  3. "Buraco Negro" opa, consegui traduzir pro "brasileiro" digo, portugues o tal "chopin center"...

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  4. Terezinha,parabéns pelo artigo! Diante dessa realidade, percebemos o quanto é importante a leitura, ela leva o jovem a caminhar com suas pernas pelo amplo mundo que o cerca.
    O Brasil só melhora com educação de qualidade, e você Terezinha, tem tudo a ver com isso,por que com seu conhecimento proporciona que seus alunos e professores cresçam com capacidade de ver e criar horizontes mais ousados e próprios.Sucesso!
    Andréa Macedo

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