quarta-feira, 14 de outubro de 2009

REPENSANDO

Na semana da criança, do professor e do médico decidi parar para refletir e comecei assim:

O aluno precisa entender que entre a aula dada e a conhecida prova existe um processo que só depende dele: ATITUDE PARA ESTUDAR. Criou-se um paternalismo na Educação que queimou essa etapa e isso gerou um alunado que se acha no direito de exigir que o professor dê em suas provas questões EXATAMENTE como as que ele deu em sala de aula, sem tirar nem pôr, invertendo, assim, as posições. O professor limitado é hoje para o aluno o professor “bonzinho”, aquele que não se dá e nem cobra de ninguém um avanço que exige raciocínio, disciplina, exercício de inteligência, percepção, conhecimento, pesquisa, estudo... É preciso tomar cuidado com isso, professores e alunos, porque isso não interessa a quem pretende fazer Educação com seriedade. Ainda que paguemos agora, não dá mais para fingir que está tudo bem. O aluno reclama de tudo que exige dele; o professor exigente é um chato; o professor que não cede, por princípios, é um carrasco; o professor que não falta é um “desgraçado”, e danam a jogar praga nele. Deve ser por isso que bate um desespero na hora do juízo final, quer dizer, na hora do Vestibular e agora também do Enem. Aí é um Deus nos acuda; o aluno, para se livrar das culpas e de suas omissões, sai atrás de culpados; os pais, ao perceberem o desespero dos filhos, pegam a Escola pra Cristo. A Escola, assim como os pais e o próprio aluno, tem que assumir o que fez, o que faz e o que deixou de fazer. Infelizmente estamos diante de uma geração que não sabe pesquisar, sabe muito pouco filtrar uma informação e, consequentemente, não sabe formar opinião e o que é pior, não aprendeu a ESTUDAR em decorrência das falsas facilidades que o sistema gerou. Tentamos mudar isso e não tem sido fácil. Vejo atitudes inocentes de nossos alunos. Há pouco, na semana que antecedeu ao “ex-falso-futuro-vigarista-enem”, os alunos que prestariam o exame me pediram que os liberasse da Avaliação Semanal, alguns por malandragem; outros porque iriam fazer, na véspera, um simulado. Confesso que fiquei preocupada com aquilo, não acho inteligente fazer um simulado às vésperas de uma prova tão mal definida como a do Enem. E disse isso a eles na ocasião. Não deu outra!

O Enem é um programa perfeito, mas já provou que não tem como dar certo da maneira como está sendo implantado. Fiquei me perguntando sobre como deveria ser o simulado que nossos alunos, por iniciativa própria, iriam fazer. Sei como tudo funciona para o bem e para o mal e quero dizer que os cursinhos e muitas escolas estão APENAS mudando o cabeçalho dos simulados que antes eram UERJ, UFRJ, UNICAMP, USP e agora, por oportunismo, viraram Novo Enem! Preocupante!!!!

Corremos sérios riscos quando não sabemos fazer uma melhor leitura do que “rola” por trás dos interesses. Gostaria que esses alunos fizessem uma comparação entre os simulados gerais e a prova que vazou do Enem e entendessem a minha preocupação.

O Brasil não está preparado para esse tipo de prova, porque temos uma geração de jovens nada leitores. Fiz uma pesquisa discreta entre nossos alunos sobre quem recebe, em casa, jornais Escritos e revistas periódicas e, surpreendentemente, percebi que minha geração - hoje pais de nossos alunos - que fez a diferença porque tivemos acesso ao Jornal Impresso que nos oportunizou a ler, reler, pensar, repensar, recortar, colar, sujar as mãos e... criar opinião, está colaborando para a morte de um veículo que sempre fez tão bem a diferença entre os demais.

Cheguei a aconselhar nossos alunos a trocarem o simulado da véspera por uma boa leitura de Jornal, de uma revista Super-Interessante, ou mesmo Veja. É mais saudável, nutre muito mais o raciocínio e o ego do que descobrir, na véspera, que “estudou pouco” Análise Combinatória.

Recentemente entrei em sala de aula para ler com os alunos de sétimo ano o livro Casa Grande e Senzala EM QUADRINHOS de Gilberto Freire. Segundo eles e uma avó educadora, o livro é difícil e complicado. Descobri que todos tinham um caso como referência para ilustrar o que está colocado, magnificamente, no livro. Uma tetravó pega no “laço”, uma avó que inflou o rosto com toxina botulínica, também conhecida como "Botox”, assim como o índio inchava os lábios com recursos bem parecidos, um caso de assombração, as almofadas de casa com estamparias orientais, a identificação do nome tão esquisito do hotel fazenda Gamela onde iremos passear e, infelizmente, descobri também que ler é uma tarefa que eles não conseguem fazer sozinhos, porque ainda não sabem viajar na leitura, se não forem guiados.

Analisando o nosso trabalho deste ano de 2009, preciso confessar que deixamos a desejar na parte de leitura e produção de texto. O que me consola é saber que não pecamos tanto quando não exigimos que lessem inúmeros livros, porque nossos alunos não são autônomos para isso e fingir que são é empurrar a verdade para frente. Coincidentemente na semana que iniciamos a leitura de Casa Grande e Senzala a revista Veja (23/09/2009) trouxe em sua capa a seguinte manchete: Açúcar, acharam o culpado e a reportagem que fala sobre os males provocados pelo açúcar cita Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala quando registra que “o açúcar matou nosso índio”. E o que pode ser difícil para um adulto que não leu Gilberto Freire pode se tornar de fácil compreensão para uma criança que tem oportunidade de ver nos quadrinhos de Casa Grande e Senzala o índio fugindo para o mato para não ser escravizado pelo modelo de trabalho ocidental, o índio passando de saudável a condenado por doenças, tudo por questão de mudanças de hábitos e costumes, reconhecendo que o negro não é bonito porque a novela da Globo quer, e sim, por razões de origem. Isso é intertextualidade, contextualidade, cultura básica para se formar opinião. É pouco? Sim, é muito pouco, sobretudo para o adulto que se finge de leitor e pensa que engana criança. Precisamos ler mais com nossas crianças. Mas com os devidos cuidados, pois as crianças pensam e descobrem coisas que jamais imaginaríamos.

Com carinho,

Terezinha Lopes

Um comentário:

  1. Desde que vi pela primeira vez uma obra que se iniciava numa casa de esquina e que soube que ali seria uma Escola, fiquei intrigado pela audácia, coragem e esperança do projeto. Para se construir uma Escola, precisa-se além da bagagem administrativa e formação profissional, também se apoderar das tais coisas que me intrigaram. E quando eu soube que "era coisa da Terezinha" já soube de cara que daria certo. Ela é minha amiga de infância (minha prima - bem mais nova que eu, claro!) e, por esses desencontros que a vida nos proporciona em nossa caminhada fui encontrá-la na net e depois testemunhando o cuidado e o carinho que ela dispensava a uma tia idosa. Adorei sua postagem e me atrevi a fazer esse pequeno comentário que representa a minha admiração por sua coragem, por sua preocupação com a leitura dos seus alunos e pelo orgulho de saber que existem sim Escolas escritas sempre com "E" maiúsculo!
    Bjão prá ti! Coragem sempre!

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